AGENDA CULTURAL

13.4.24

Imunidade pode ser comprada? - Alberto Consolaro

 

Nascemos com imunidade inata, mas a imunidade adaptativa é construída dia após dia.

 Não! Só pode ser construída. A palavra “imunidade” virou ferramenta de vendas e tudo “serve” para aumentá-la. Muito se promete para deixar a imunidade imbatível, mas se perguntar o que é imunidade, não saberão explicar de forma simples e prática. Nas conversas, parece que é uma entidade, alma, fada, divindade ou madrinha.

MANUTENÇÃO

Quando se nasce, temos os mecanismos de defesa prontos para ser usados imediatamente e o mais poderoso é a inflamação. A inflamação é imediata e benigna e, quase sempre, faz muito bem e nos deixa vivos. Pode se dizer que é uma imunidade inata, porque nascemos com ela, mas precisa de manutenção!

Algumas pessoas não gostam da inflamação talvez porque, equivocadamente, acham que é sinônimo de infecção. Para esclarecer: inflamação é mecanismo de defesa contra todas as agressões. Já infecção é o contato de microrganismos com o corpo, independente se vai produzir doença ou não.

Em alguns poucos órgãos, ela pode atrapalhar as funções normais, como no pulmão, quando faz o edema com seus líquidos atrapalharem a chegada do ar para que ocorra a troca dos gases oxigênio e gás carbônico, o que caracteriza a respiração. Por isto a pneumonia é perigosa.

Nos dentes, a inflamação também pode ser inconveniente, pois na inflamação da polpa dentária, dentro da cavidade central fechada do canal, o edema não tem para onde ir e os mediadores da dor ficam concentrados e em contato contínuo e direto com os filetes neurais. A dor é quase insuportável.

CONSTRUÇÃO

A vida é linda e permite-nos aprender a se defender a cada dia, ensinando ao corpo o que é ruim, estranho e agressivo, como é a interação diária com microrganismos. Cada vez que acontece isto pela primeira vez, o corpo sensibiliza células poderosas e produz substâncias, como os anticorpos, para destruir este microrganismo nos próximos contatos.

Para cada agressor com proteína, haverá uma resposta imunológica. Vamos aprendendo, e aos 20 anos de idade, teremos mais de mil respostas imunológicas específicas aprendidas e memorizadas. Esta é a imunidade adaptativa, aprendida e construída diariamente. As vacinas ensinam o corpo a ter a imunidade adaptativa específica que queremos, o que nos ajuda a ficarmos imunes.

MATÉRIAS-PRIMAS

Para tudo funcionar no corpo, precisa-se de energia na forma de ATP, como se fosse a eletricidade. Para esta energia ser gerada precisamos de glicose, aminoácidos, proteínas, lipídios, vitaminas e íons, que estão em uma alimentação saudável, sem que precisemos de suplementações. Estas matérias-primas de alimentos, ou de laboratórios, não lhe farão mal a saúde e serão eliminados quando em excesso. A imunidade é construída, não dá para comprar imunidade pronta em medicamentos! São nossas células que a constrói!

Produtos não aumentam a imunidade, pois são insumos para a produção de ATP se estiver faltando. Se um produto prometer melhorar, recuperar, propiciar ou ser fundamental para ter imunidade, desconfie, leia muito sobre em publicações científicas ou consulte profissionais de saúde comprometidos com a saúde dos pacientes e não com seus patrocinadores.

REFLEXÃO FINAL

Imunidade é a proteção frente aos agressores como as bactérias, vírus, fungos e parasitas. Um dos dois mecanismos mais eficientes, nascemos com ele, é a inflamação. O outro mecanismo é aprendido por adaptação, é o sistema imunológico, incluindo-se a proteção oferecida contra o câncer. Todos os dias temos células atípicas geradas nos trilhões de mitoses e que são eliminadas pelo sistema imunológico.

A imunidade depende de nós: a alegria de viver, o otimismo e a gratidão nos levam a bons hábitos como alimentação adequada, atividades físicas e mentalidade tranquila. As decisões para se chegar a iso na vida desde cedo, vem do interior de cada um e é aprendido, mas precisa-se de coragem para mudar a realidade individual.  

Alberto Consolaro 

Professor Titular da USP  
FOB de Bauru 

consolaro@uol.com.br   


Aumento súbito do lábio: iatrogenia? - Alberto Consolaro

Aumento súbito do lábio pelo edema angioneurótico


Não é comum, mas não é raro. De repente, o lábio incha quase subitamente de forma assimétrica com a pele e mucosa com superfícies preservadas. Fica desconfortável levemente dolorida, mas sem dor e sem coceira. Pode acontecer também nas pálpebras, úvula e língua, além de outras áreas, como mãos, pés e órgãos genitais.

O susto é grande, pois em poucas horas o volume é impactante. Se não tem história familiar da doença, o diagnóstico quase sempre deve ser edema angioneurótico adquirido, mas recebe outros nomes como angioedema ou edema de Quincke. Há casos familiares ou edema angioneurótico hereditário.

Com as mucosas da boca, orofaringe e vias áreas acometidas, ao inspirar o paciente pode emitir um som ofegante na respiração e, nestes casos, se deve procurar um serviço médico de urgência, para evitar-se obstrução total. Se a mucosa afetada for a do aparelho digestivo, o seu edema pode levar a náuseas, vômitos e cólicas.

CAUSAS

O edema angioneurótico não é alergia ou processo alérgico e foi nominado “angioneurótico” por ter sido descrito pela primeira vez em pacientes com transtornos psicológicos ou psiquiátricos em 1882, por Heinrich Quincke, mas esta relação não existe!

Ele é uma manifestação esporádica de uma deficiência de inibidor da bradicinina, um mediador inflamatório que induz o edema. A inflamação é mecanismo de defesa contra qualquer tipo de agressor e forma edema ou inchaço. Quanto os tecidos são agredidos, desde um muito discreto traumatismo ou até uma cirurgia, vários mediadores são liberados e ficam ativos por minutos, mas logo são inibidos por outras substâncias. Desta forma, o organismo consegue controlar a intensidade de uma resposta inflamatória pelo edema.

Pode ocorrer após uma injeção de agulhas em tratamentos estéticos e odontológicos, manipulação da região para o tratamento dentário, uma mordida na região com microtraumatismos por alimentos cortantes, certos medicamentos a ser identificados para cada paciente, como os anti-hipertensivos. E os pacientes culpam imediatamente o profissional que fez o procedimento que o induziu. Até explicar ao paciente e aos demais profissionais que desconhecem o problema, leva-se tempo e muitos desgastes.

Em alguns casos, ocorrem após uma coceira mais forte, ou frente a exposição ao frio intenso. O estresse psicológico prévio a uma destas causas pode acentuar o edema como os períodos que antecedem procedimentos operatórios e dentários. Mas só ocorre em quem tem esse defeito adquirido ou herdado. 

CUIDADOS, PREVENÇÃO E TRATAMENTO

Se ao inspirar o paciente emitir um som ofegante na respiração se deve procurar um serviço médico de urgência, para evitar-se obstrução total. Se a mucosa afetada for a do aparelho digestivo, o seu edema pode levar a náuseas, vômitos e cólicas.

Pode acontecer em qualquer idade, mas 75% dos pacientes têm até 15 anos de idade. Os episódios podem ser recorrentes e imprevisíveis em qualquer parte. O pico de sintomas se dá 12 e 24 horas, podendo durar até cinco dias. A instalação do edema costuma ser lenta e gradual, e ocorre geralmente em torno de oito horas, embora no abdome e laringe, o angioedema pode instalar-se mais rapidamente.

Estima-se que 25% a 40% das crises de Edema Angioneurótico evoluem para óbito por asfixia, quando não tratadas. O edema de alças intestinais é frequente e incapacitante, e a dor abdominal pode ser a única manifestação durante a crise.

O angioedema hereditário não tem cura definitiva, mas há tratamento disponível para controle e prevenção das crises e suas consequências, pois pode ser fatal. O diagnóstico definitivo deve ser feito medindo se a quantidade do mediador inibidor da bradicinina no sangue e geralmente está diminuído. Para o diagnóstico diferencial é importante considerar que não tenha coceira ou urticária, nem dor aguda.

Na formação e no treinamento de profissionais se deve ensinar como diagnosticar, prevenir, tratar e se conduzir frente a um edema angioneurótico, especialmente quando se intervêm nos tecidos moles como na harmonização facial, cirurgias estéticas e correções de fissura labial. Deve-se ressaltar que existe terapia preventiva para as crises de Edema Angioneurótico a ser evitadas e que podem ser tomadas antes dos procedimentos operatórios a ser realizados.

REFLEXÕES FINAIS

As injeções labiais estéticas e de produtos na derme e submucosa, podem eventualmente induzir um edema angioneurótico que pode ser atribuído impropriamente como uma reação inflamatória e alérgica ao produto e ou à técnica aplicada. Na mídia isto é frequentemente relatado, e infelizmente, quase sempre, o paciente foi assistido de forma inapropriada. Quando o paciente não sabe ser portador da doença e boa parte dos profissionais da saúde a desconhecem, falham o diagnóstico e as abordagens preventivas e terapêuticas.

Medidas médicas terapêuticas medicamentosas de controle e ou de emergência devem ser tomadas com base no conhecimento da doença. O paciente deve ser esclarecido e o suporte médico-odontológico é essencial para que não se atribua como uma reação tóxica, alérgica e ou inflamatória do procedimento, do produto e/ou da técnica. Estudemos.   

Alberto Consolaro 

Professor Titular da USP  
FOB de Bauru 

consolaro@uol.com.br   

 



 

 

11.4.24

Pão e circo

Charges do Denny

Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Araçatuba-SP

Circo e pão. Elementos fundamentais de um governo populista, que agrada o povo com pouco, demagogicamente. Circo é a diversão, pão o alimento. Se a vida tem os dois, precisa de mais o quê? 

Circo é uma casa de espetáculo. Passou a ter picadeiro há alguns séculos atrás. Diziam que ele iria sumir com o advento da televisão, mas persiste. Muitas duplas caipiras, como Tonico e Tinoco (não falo de sertanejas) começaram a sua carreira cantando nos circos.

O Coliseu, ícone de Roma, foi antes um grande circo para 150 mil pessoas, tão massivo como as novelas da Globo. Chamava-se Circus Maximus. Atualmente, há até lona de circo para alugar, basta querer brincar de circo.

Em Araçatuba, sempre aparece um circo, de vários níveis. Um chegou a falir no final da rua Pedro Janser. Quando são chiques, só a burguesia frequenta sua plateia. Até seus dirigentes têm carros de último tipo e se hospedam em hotéis. A luta de classe também está debaixo da lona. 

Atualmente, está entre nós o Circus, tamanho médio, instalado precariamente naquele terreno no início da rua Marcílio Dias. Circo é mesmo sinônimo de gambiarra.

Na vida real, segundo os vizinhos Fábio e Renata, o palhaço do atual circo é um sujeito chato. Descobriram isso quando os tripulantes foram comer em seu restaurante.    

Palhaço é ladrão de mulher, mas como um sujeito tão chato poderia conquistar as mulheres da cidade? Antigamente os circos eram a magia que chegavam às cidades do interior, elas estavam procurando mesmo a liberdade, um mundo diferente. Nem desconfiavam que o machismo também se manifesta no circo. 

Em Mirandópolis, aconteceu ao contrário, a diretora de escola Sandra Rombi, fugiu do circo (trapezista) para ser professora. Os dois lugares apresentam a mesma magia: divertir e ensinar. Certamente, ela não era uma acrobata epilética.

Outro dia, nas imediações da lona, em Araçatuba, vi uma mãe descer do carro com três crianças. Levava-as ao circo como se estivesse indo à missa, ensinava o caminho que a sua mãe certamente a ensinou quando pequena. Era um rito. Tais crianças farão mesmo com seus filhos. Com essa tradição, o circo não vai morrer nunca. 

Aproveito esta crônica para transmitir uma reivindicação do mundo circense: as prefeituras precisam ter terreno reservado aos circos em seus municípios, com toda infraestrutura para que se instalem com dignidade. Afinal, palhaçada acontece em qualquer lugar, até nas câmaras municipais.  

9.4.24

Aldo Campos será objeto de palestra

 

Por Caroline Franciele.- jornalista e escritora

Evento faz parte do projeto “Literatura Local”que visa lembrar a contribuição literária e social de autores da região.

O Grupo Experimental da Academia Araçatubense de Letras apresentará na próxima terça-feira (09/04) uma palestra sobre o poeta e ex-vereador Aldo Campos. O evento acontecerá na sede da Academia, na rua Joaquim Nabuco, n° 210, Centro, próximo ao Terminal Rodoviário Urbano. O início da reunião está marcado para as 19h30. O palestrante da noite será Hélio Consolaro, escritor, cronista, jornalista e professor. O evento é gratuito e aberto para toda a comunidade.

A palestra faz parte do circuito de eventos que tem como objetivo retratar a vida e história de autores locais. Célio Pinheiro e Éddio Castanheira já foram objeto de estudo. Aldo Campos, Lúcia Milani Piantino, Lourival Lautenschkager e Maurício do Vale Aguiar serão os próximos a serem estudados.

Aldo Campos é patrono da cadeira 18 da Academia Araçatubense de Letras, escolhido em 1997 pelo então recém-empossado Hélio Consolaro. Aldo Campos tem nome de rua em Araçatuba, foi advogado, locutor da Rádio Cultura e vereador. Além disso, escrevia poemas. 

O Grupo Experimental é uma iniciativa que procura reunir poetas, escritores, jornalistas, atrizes, atores, artesãos e todos os que se identificam com o mundo da escrita, promovendo reuniões de forma democrática para o compartilhamento do conhecimento. Atualmente, está sob a coordenação de Fátima Florentino.

A Academia Araçatubense de Letras é um projeto local, que atua há mais de 30 anos para promover a literatura e o conhecimento para a comunidadel. Dentre seus fundadores, destacam-se Célio Pinheiro,  Acyr Lima de Castro, Almir Jorge Boldstein, Marilurdes Campezi, Solange Augusta de Castro.

Além de atuar em Araçatuba, a Academia apadrinhou a iniciativa de academias regionais, como a Academia Penapolense de Letras, tendo vários acadêmicos presentes em sua fundação e inauguração.

Serviços

Local do evento: Academia Araçatubense de Letras. Endereço: Rua Joaquim Nabuco, nº 210, Centro.

Início: 19h30.

Palestrante: Hélio Consolaro.

Tema: Vida e obra de Aldo Campos.

Evento gratuito e aberto para a comunidade. 

30.3.24

A arte e o turismo de cada cidade

 

Izulina Gomes Xavier

Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Araçatuba-SP

Toda cidade, por menor que seja, tem pelo menos um artista, nem que seja de estilo primitivo, naif. Palavra de origem francesa que significa ingênuo. 

Frente da Casa da Izulina - Izu ART 

Os primitivistas são geralmente autoditadas, sem formação acadêmica, aprendem sozinhos e criam seu próprio estilo. Tais artistas passaram a ser valorizados após o Modernismo. 

Na visita a Corumbá-MS, o guia turístico nos levou  ao Izu Art, um museu que abriga obras artísticas da artista corumbaense Izulina Gomes Xavier. Como faleceu há a pouco tempo (16/11/2022) e o patrimônio foi doado à Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, nem tudo está organizado a contento, mas vale a pena visitá-lo na rua Cuiabá, 558, fone: (67) 3231-2040.

Izulina Gomes Xavier faleceu com 97 anos, 16/11/2022; nasceu no Piauí, 18/02/1925 Veio para Corumbá-MS por causa das armas, pois seu marido veio trabalhar na fábrica de armamento. Artista plástica, escritora e doutora Honoris Causa pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Embora sendo uma artista primitivista, sua arte recebeu reconhecimento da universidade.

Santa Ceia - Uzulina Gomes Xavier

A Casa de Izulina Xavier (Izu Art) é um verdadeiro Centro Histórico Cultural de Corumbá. Vale a pena chegar até lá, quando visitar a cidade, caro leitor. 

IZULINA ESCRITORA

Ela foi membro da Academia Corumbaense de Letras, romancista, também se dedicava à arte de escultura, com trabalhos expostos em lugres públicos do Brasil e também do estrangeiro. 

ROMANCES 
10 anos de emoções (1971)
Um rapto na madrugada (1975)
Uma mulher antes e depois da operação plástica (1978)
Um grito no pantanal (1985)
Meu pequeno mundo (1988)
Amor de fronteira (1994)

HISTÓRIA DE CORDÉIS
A nudez de Anita (1984)
O vaqueiro (1986)
Maria pernas finas e desdentada (1986)
Adeus (1986)
Meu santinho de lata (1987)

CONTOS INFANTIS
Contos'- da vovó (1989)

PEÇAS TEATRAIS
Amor de fronteira
Delinquente 

BONITO NÃO TEM GENTE FEIA

Em Bonito-Ms, não há gente feia. Os feios e as feias foram expulsos de lá por decreto. Feios mesmos são os turistas chegando com seus cartões de crédito e pix.  

Com isso, quem mora em Bonito é bonito ou bonita, não existem bonitinhos, todos são bonitões ou bonitonas. Cada belezura! Nessa manhã visitamos a Praia da Paineira, Rio Formoso. É uma espécie da Praia Municipal de Araçatuba, ou Hot Planet. Antigo Country, por exemplo. Trata-se de propriedade particular, paga-se para entrar. Há lanchonetes e restaurantes. Nessa quinta-feira, 14/03/2024, para receber os araçatubenses, Bonito deu um Sol para cada um. O diabo foi embora, pois o inferno estava mais fresco. Valeu a pena.


27.3.24

Chão de Matogrosso

Quadro do artista Daltro

Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Arçatuba-SP 

Aqui entre os paulistas, quase na divisa, nas rendas de São Paulo, tudo que vinha do estado vizinho não era muito valorizado. Começava pela carteira de motorista. Pulávamos a divisa para comprar CNH. Não era bem assim, mas dizia-se. Houve uma época que era só um Mato Grosso, depois, em 1977, surgiu o Mato Grosso do Sul. São Paulo era um mundo civilizado, e do lado de lá do rio Paraná era sertão.   

Outra lenda era que tudo por lá era resolvido no tiro. Um lugar onde alongavam-se bandidos. Onde predominava a lei do mais forte.

Viajei recentemente para lá para conhecer o Pantanal. Durante o trajeto de dois mil quilômetros (ida e volta) de ônibus, ouvi de alguns companheiros de viagem que mato-grossense é um povo preguiçoso, não gosta de trabalhar. Uma extensão da visão que têm do povo originário, pois lá em Mato Grosso se vê o índio na cara do povo. 

Nessa viagem, pensei que ia passar a mão na cabeça do jacaré. Que nada! Esse Pantanal genuíno não está disponível para turistas farofeiros. Lugares disponíveis para visitas, não mostram tudo. 

Entre os dois estados, MT e MS, há dois mundos culturais: o cuiabano e o pantaneiro. O sul-mato-grossense gosta de se lincar ao Pantanal.     

Posso dizer que depois de São Paulo, Mato Grosso do Sul é o estado que mais conheço no Brasil. Antes de ir para Rosana, quase trabalhei em Três Lagoas, não fosse uma autoridade educacional me fazer uma proposta indecente e eu ser um jovem incorruptível. 

Trabalhei numa escola particular de Araçatuba cuja coordenação funcionava  em Campo Grande; atualmente pertenço ao Rotary, cujo distrito é MS inteiro mais um trecho do Oeste Paulista. Então minhas visitas ao chão de Mato Grosso são amiúde. 

Para completar, meu filho fez (Campo Grande) e um de meus netos faz (Três Lagoas) graduação na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Piso sempre aquele o chão. 

Lá em Mato Grosso (os dois, Sul e Norte), a Guerra do Paraguai não acabou. Principalmente em Corumbá. Ladário (30 mil habitantes), colada a Corumbá, é uma cidade essencialmente militar.

Em 13 de junho de cada ano, eles comemoram o resgate de Corumbá das mãos do Paraguai, depois de dois anos de jugo. É feriado nesse dia. Por lá se sente a presença do Exército e da Marinha (por causa da fronteira feita de rios)

O Brasil é um em cada região. Se tudo der certo, meu próximo passo é conhecer a Região Norte do Brasil.     

17.3.24

Corumbá-Bolívia

 

Comércio na Bolívia
Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Araçatuba-SP

Corumbá-MS.  Cidade longínqua, que nunca chega, este é o sentido de seu nome em tupi-guarani. Saímos de Bonito-MS com o busão com seus 24 passageiros, almoçamos em Miranda-MS, mas Corumbá nunca chegava. 

Capital do Pantanal. Título honorifico dado a Corumbá para quem queria ser capital do Estado do Pantanal possível no estado, em vez de Mato Grosso Sul, criado em 1977 e instalado em 1979. Uma manobra do ex-presidente Ernesto Geisel para que o seu partido, Arena, tivesse mais um estado para governar. A oposição chamava-se MDB.

Placa exposta na porta da suíte

Nesses três dias na cidade, percebi que a palavra fronteira foi pronunciada por todos os habitantes, já que se limita com a Bolívia e o Paraguai. Por essas bandas brasileiras, a fisionomia indígena está no rosto de seus habitantes, principalmente dos mais pobres.    

Durante os três dias em poitamos em Corumbá, nos hospedamos no Hotel Santa Mônica. Neste hotel, no quarto 606, o ex-presidente Jânio Quadros e sua esposa Dona Eloá, ficaram confinados por determinação dos militares por 120 dias (1968). Tal fato é apresentado com honra pela empresa hoteleira.

Defronte ao hotel, região central (rua Antônio Maria Coelho), há uma boca-de-fumo, ou loja de conveniência de pobre, cujos proprietários são gente dos povos originários. Lá, pedi assento e cerveja, liguei meu celular para assistir ao jogo Palmeiras e Ponte Preta. Todos me olharam com desconfiança, mas nem me incomodei. Foi lá, pelo Youtube, que vibrei pelos cinco gols do Verdão.

Colegas de viagem me chamaram para uma sessão de música ao vivo. Respondi que não: "tenho jogo do meu time". Assim vivi a alegria de uma vitória durante uma excursão. Fanático? Acho que sim.

Noutro dia, fomos pôr o pé em solo boliviano. Por duas coisas valeu a pena a locomoção: dizer que estive na Bolívia e bebi a cerveja Paceña, fabricada no país. Aquele trecho da fronteira parece mais um camelódromo. Chamariz para brasileiros pelo baixo preço, mas nem tanto, já foi o tempo do Shopping China. O Calçadão de Araçatuba oferece mais produtos chineses.

Conhecer o Brasil profundo, a pobreza de nossa América Latina é um dever. A Taça Libertadores nos ensinou muito de nossos vizinhos, mas ainda nos falta algo mais.

AQUÁRIO MUNICIPAL DE BONITO-MS

Estive com excursionistas visitando o Aquário de Bonito-MS. Fui conhecer de perto e vivos os peixes da região.

Pantanal não é um pântano, mas um bioma, que com a Amazônia e a Mata Atlântica, forma a natureza do Centro-Oeste brasileiro.

O aquário é um presente do município ao turista para que conheça os habitantes das águas pantaneiras. Ele é localizado no centro de Bonito – MS e é recheado de informações sobre as principais espécies de peixes da Serra da Bodoquena e do estado do Mato Grosso do Sul. Há até espécies híbridas criadas pelos cientistas. 


12.3.24

Crônicas de viagem

 

Fachada de loja de venda de maconha em  Juan Pedro Caballero, Paraguai

Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Araçatuba-SP

Os antigos cronistas surgiram com as viagens marítimas, acompanhando as naus portuguesas pelos mares bravios. Pero Vaz de Caminha, por exemplo, escreveu a certidão de nascimento do Brasil por meio de uma carta, pois ele era o assessor de imprensa do rei de Portugal, Dom Manuel. Uma nau voltou com a carta, não havia internet.

Hoje, o que sobrou do antigo cronista é que ele é uma espécie de escritor de confiança de alguns leitores, escreve sobre tudo. Para ter assunto, viaja. Eu, por exemplo, gosto de participar de excursões organizadas em ônibus por maluco (ou maluca) qualquer, como o Joaquim Nunes. Mando meus textos por internet.

Adentrei ônibus leito para o Pantanal, região que ainda não conhecia, saindo de Araçatuba-SP. Cumprimentei meus futuros companheiros de viagem, passaríamos dez dias naquela nave terrestre.

Mal começava a viagem, quando ouvi uma senhora, bem ao banco lado, depois do corredor me dizer:

- O senhor se parece com o Hélio Consolaro.

- Não pareço, sou o próprio - respondi-lhe.

Ela se apresentou como Gersina Pereira do Nascimento, 69 anos, e que este cronista fazia parte da vida dela. Olhei, não era nenhuma ex-namorada.

-Como? - perguntei surpreso.

- O senhor atropelou com sua moto minha filha há muito tempo. Hoje, ela tem 40 anos. 

Realmente, tive motos. Consultei meus arquivos de memória, não achei tal desastre.

E continuou:

- Eu ia saindo com ela da Creche Santa Clara de Assis, segurando-a pela mão, quando escapou com sua vivacidade e avançou na frente de sua moto, dirigida por você. Não houve tempo de brecar o veículo, mas o senhor fez tudo, quase caiu, assim mesmo encostou nela. Com a queda, a Aline afundou um dente de leite. 

E continuou:

- Mas o dentista consultado disse que aquele dente seria expelido oportunamente e um outro viria. E assim aconteceu. Hoje, a Aline, uma mulher "guerreira", está com todos os dentes. 

Rimos. Recuperei a narrativa perdida. Uma história de final feliz, como aquela iniciada por Pero Vaz de Caminha, apesar dos erros de português. 

NÃO PRECISA VIAJAR MUITO

Para conhecer uma loja especializada na venda da maconha, é só sair de Ponta Porã atravessar a Linha Internacional e pôr o pé em Juan Pedro Caballero. A dona da loja é uma senhora bem apessoada. Todos os produtos derivados da cannabis estão expostos em vitrines. A própria erva também.

É possível não ser incomodado pela polícia. A avenida fronteira derruba todas as cercas. É proibido proibir. Por outros motivos (a erva-mate), Ponta Porã é chamada de Princesinha dos Ervais.

9.3.24

Só nas casas! E nas ruas? - Alberto Consolaro

Imagens comuns de calçadas, sarjetas e asfalto nas ruas das cidades e com potenciais criadouros do mosquito da dengue!

Vamos com calma, liguei a câmara do celular. Estou focando no pavimento asfáltico e nas sarjetas das ruas e avenidas. É muito buraco, buracões e buraquinhos, e em cada um pode ficar muitos ovos do mosquito da dengue por um ano, e qualquer chuva volta a formar a poça e soltar as larvas.

São remendos e serviços malfeitos, também pelo desgaste do tempo, com margens cheios de fissuras e áreas quebradas. São sarjetas que ficam com poças de água parada por semanas. E os bueiros que vivem molhados com sarjetas cheias de água parada e limpa? Não vejo nenhum agente de saúde verificar se tem larvas nestes locais nas reportagens. Será que resolveria jogar areia nestes locais para não acumular água ou seria preciso reparos mais definitivos?

E a câmera continua ligada, e agora, filmando as calçadas que revelam a mesma coisa, muitos buracos, buracões, buraquinhos e contendo água limpa empoçada por horas, dias, meses e até anos. Se secar, os ovos podem ficar ali e conseguem reviver até por um ano. Nova chuva volta a formar e os ovos se arrebentam em larvas e mosquitos da dengue como fogos de artificio de um ano novo.

Todos ficam focados nos quintais, mas o problema pode estar nas ruas, calçadas e sarjetas, sem contar os bancos, muretas, aparelhos de ginástica, brinquedos, vasos, jardins, mercados, estátuas, monumentos e outros detalhes de qualquer logradouro público, como estádios, escolas, passarelas, fontes, estacionamentos etc.

E MAIS ...

A câmera ligada está focando nas garrafas viradas para não deixar água acumulada, mas onde estão as tampinhas destas garrafas. Cada tampa representa uma piscina ideal para crescimento das larvas do mosquito. Respondam por gentileza, onde estão estas tampinhas, cheias ou vazias?

As ruas e calçadas ficam dias, semanas e meses as sujeiras com embalagens, plásticos de bombons e muitos recipientes que acumulam água como as tampinhas. E ninguém limpa! Nos terrenos baldios também, ninguém faz reportagem sobre agentes de saúde e fiscais multando os que ficam cheios de buracos, buraquinhos, embalagem, plantas, pedras etc.

Por acaso alguém já reparou nos buraquinhos, buracões e buracos que tem nos postes da rede pública? E nos transformadores? Já repararam nas tampas dos esgotos nas ruas como são irregulares estas tampas e as margens que as rodeiam; com certeza tem criadouros por ali. E nas caixas e suas tampas das instalações de telefone, caixas de parte elétrica e hidráulica que povoam nossas calçadas e ruas?

Chega! Meu celular está carregado de tantas fotos documentando tudo isto e já me avisou que o sistema está sobrecarregado, e olha que só dei uma volta no quarteirão de casa. Imagine a cidade inteira! Tente fotografar os possíveis criadores das calçadas, sarjetas e pavimentos no quarteirão de sua casa: é de ficar assustado! As calçadas, guias e pavimentos das ruas são quase sempre lamentáveis.

REFLEXÃO FINAL

1. Tenta se passar a impressão de que o problemas da dengue são as casas e seus habitantes, mas a culpa deve ser metade/metade pela existência de criadores do mosquito da dengue, zika, chicungunha e outras doenças que precisam de vetores, nos logradouros públicos como ruas, praças, parques e prédios comerciais.

2. O mosquito da dengue não é bom de voo como um pernilongo. Será que ele entra nas casas pelos vizinhos ou pela frente da casa nas ruas? Onde as pessoas são mais picadas por ele: nas ruas e locais públicos ou nas suas casas?

3. Os locais públicos podem ser muito mais ricos em criadouros do que imaginamos. Se aguçássemos nosso senso de observação nos potenciais criadouros de mosquitos de logradouros públicos, teríamos um melhor controle da epidemia?

Reflitamos e cobremos!    

Alberto Consolaro 

Professor Titular da USP  
FOB de Bauru 

consolaro@uol.com.br   


Relógio de pulso: quem domina quem? - Alberto Consolaro

Presentear com relógio de pulso é dar a ele uma pessoa para comandar!

Insistem em me presentear com relógios de pulso! Foi um xará, Santos Dumont, que “inventou” o relógio de pulso.  Xará é sinônimo de homônimo e vem do tupi “xa’ra” ou “aquele que leva o meu nome”.

Usar relógio de pulso me parece um costume anacrônico, apesar do “Apple Watch” e similares. Já dei e ganhei alguns relógios de pulso, e os usei por um tempo muito curto. Os relógios parecem coleiras, cada vez mais eletrônicas, ligadas à internet. Na verdade, parecem tornozeleiras!

Algumas coisas nos impulsionam, sem que saibamos as causas. Um amigo disse que, após ler um dos contos de Julio Cortázar, nunca mais usou relógios de pulso e muito menos presentou alguém! Ao acessar o livro “Histórias de cronópios e de famas”, me pus a ler sem parar o conto “Preâmbulo às instruções para dar corda no relógio” e me deliciei.

DOMINAÇÃO

A partir da leitura deste conto, refleti e descobri muita coisa. Quando lhe dão um relógio de pulso, na verdade estão dando você a um dono. Pode até atrapalhar a sua felicidade, mesmo se a marca for muito boa com rubis e diamantes.

É você que leva o relógio de pulso para passear, mas é ele que toma conta de você lhe dando a obsessão de olhar a hora certa nas paredes, no computador e no celular. Você que o cuida para não ser roubado, não cair no chão ou se quebrar, e ainda lhe impõe o costume de comparar seu relógio de pulso com os de outros. Quando lhe dão um relógio de pulso, o presente é você para o relógio, não se esqueça disto!

Segundo Cortázar, dá para cortar o encanto e o domínio do relógio de pulso sobre você: não lhe dê mais corda ou então, tire-lhe a bateria. E agora, a cada coisa esquecida pela liberdade conseguida pela ruptura com o relógio de pulso, lhe enferrujará as peças e começará a corroer as veias de suas engrenagens e circuitos, gangrenando o sangue frio dos rubis, quartzos e chips.

 A partir de agora, um outro tempo e horizonte se abrirão: as árvores soltarão suas folhas, os barcos correrão em regata, o tempo como um leque vai se enchendo de si mesmo e dele brotarão o ar, as brisas da terra, podendo-se ver a sombra de uma mulher e o perfume de um pão que acabou de sair do forno, tudo sem hora marcada!

LIBERTAÇÃO

A ruptura e a morte do relógio de pulso, nos mostrarão que se não corrermos, chegaremos antes e compreenderemos que o tempo não tem importância. Eu tinha vários relógios guardados e os joguei fora, pois não quero escravizar ninguém!

Um relógio de pulso lhe propicia apenas um pseudo-organização! Deve ser por isso que Salvador Dali detonou vários relógios, deformando-os nas telas. No livro “Ansiedade”, Augusto Cury descreveu a Síndrome do Pensamento Acelerado que está associada ao tempo, ao relógio e às cobranças. A cada página uma lembrança de vida. Ainda bem que descobri isso, mas se tivesse refletido isso mais cedo na vida, teria sido melhor!

O conteúdo de um jornal de domingo é maior do que o nosso principal escritor Machado de Assis leu durante a sua vida. Temos um excesso de informação que não se consegue acompanhar tudo no tempo do relógio, sobrando a sensação de frustração, incompetência e culpa constante. As crianças e adolescentes se retraem ou se exacerbam, perdem sua naturalidade e podem ficar agressivas, isto pode ser culpa do relógio. Para Augusto Cury, aí sobram diagnósticos e terapêuticas equivocadas de hiperatividade, depressão e outras psicopatias.

REFLEXÃO FINAL

Dar o grito da independência frente aos relógios de pulso não nos dará a felicidade, mas pode nos devolver um pouco a liberdade frente aos bips, alarmes, mensagens e recados implantados em nossos pulsos, justo o lugar onde se deveria correr, apenas, o sangue da vida e a força do que queremos!   

Alberto Consolaro 

Professor Titular da USP  
FOB de Bauru 

consolaro@uol.com.br